A Poesia no Brasil
As poesias brasileiras são expressões profundas da alma nacional, refletindo as transformações culturais, políticas e sociais do Brasil ao longo dos séculos. Desde os primeiros poemas escritos durante o período colonial até a produção contemporânea, a poesia no Brasil tem sido marcada por uma incrível diversidade de temas, estilos e vozes.
No início, a poesia brasileira era fortemente influenciada pela literatura portuguesa, especialmente durante o período colonial e o barroco. Nessa fase, temas religiosos e morais predominavam, como nas obras de Gregório de Matos, que combinava sátira, devoção e crítica social em seus versos.
Com o Arcadismo e o Romantismo, a poesia brasileira começou a ganhar um caráter mais nacional. Os poetas passaram a valorizar a natureza, o amor idealizado e a figura do indígena como símbolo da pátria. Nomes como Gonçalves Dias e Castro Alves deram voz à liberdade, ao nacionalismo e às injustiças sociais, especialmente a escravidão.
Na virada do século XIX para o XX, movimentos como o Parnasianismo e o Simbolismo dominaram a cena literária, enfatizando a beleza formal ou a linguagem subjetiva e sensorial. Contudo, foi com o Modernismo que a poesia brasileira rompeu de vez com o passado. A Semana de Arte Moderna de 1922 marcou um novo começo, com poetas como Manuel Bandeira, Oswald de Andrade e Carlos Drummond de Andrade explorando novas formas, temas cotidianos e uma linguagem mais livre e brasileira.
A partir da segunda metade do século XX, a poesia brasileira tornou-se ainda mais plural. Surgiram poetas que misturavam o lirismo com a crítica social, como Ferreira Gullar, e autores que exploravam o corpo, o erotismo e a espiritualidade, como Hilda Hilst e Adélia Prado. A partir dos anos 2000, a poesia ganhou também novos espaços, como as redes sociais, os saraus e os slams — batalhas de poesia falada — que aproximam a arte da vida nas periferias, com vozes como Mel Duarte, Sérgio Vaz e Ryane Leão.
As poesias brasileiras são tão múltiplas quanto o próprio país. Elas transitam entre o erudito e o popular, o regional e o urbano, o passado e o presente. Com sensibilidade e força, os versos brasileiros continuam a emocionar, provocar e transformar, revelando o Brasil em todas as suas cores, dores e esperanças.
Soneto de Felicidade
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
Vinicius de Moraes
Timidez
Basta-me um pequeno gesto,
feito de longe e de leve,
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve…
– mas só esse eu não farei.
Uma palavra caída
das montanhas dos instantes
desmancha todos os mares
e une as terras mais distantes…
– palavra que não direi.
Para que tu me adivinhes,
entre os ventos taciturnos,
apago meus pensamentos,
ponho vestidos noturnos,
– que amargamente inventei.
E, enquanto não me descobres,
os mundos vão navegando
nos ares certos do tempo,
até não se sabe quando…
– e um dia me acabarei.
Cecilia Meirelles
Amavisse
Como se te perdesse, assim te quero.
Como se não te visse (favas douradas
Sob um amarelo) assim te apreendo brusco
Inamovível, e te respiro inteiro
Um arco-íris de ar em águas profundas.
Como se tudo o mais me permitisses,
A mim me fotografo nuns portões de ferro
Ocres, altos, e eu mesma diluída e mínima
No dissoluto de toda despedida.
Como se te perdesse nos trens, nas estações
Ou contornando um círculo de águas
Removente ave, assim te somo a mim:
De redes e de anseios inundada.
Hilda Hist - 1989
Retrato
Eu não tinha este rosto de hoje,
Assim calmo, assim triste, assim magro,
Nem estes olhos tão vazios,
Nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
Tão paradas e frias e mortas;
Eu não tinha este coração
Que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
Tão simples, tão certa, tão fácil:
— Em que espelho ficou perdida
a minha face?
Cecilia Meirelles